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ENTREVISTA COM GAETANO CAVALIERI À JEWELLERY MAG

Presidente da CIBJO, Confederação Mundial de Joalharia

A CIBJO, a Confederação Mundial de Joalharia, representa os interesses de todos os indivíduos, organizações e empresas ligadas à indústria da joalharia, dando cobertura à totalidade da cadeia de valor desde a mina ao mercado nos vários centros de produção, manufatura, comércio e distribuição. Gaetano Cavalieri lidera a organização desde 2001. Em entrevista exclusiva à Jewellery Mag, destaca as principais mudanças e desafios que impactarão a indústria nos anos que se seguem, bem como o papel da CIBJO na promoção da cooperação e conciliação internacional.

 

Enquanto líder de uma organização mundial, quais são, na sua opinião, as três principais mudanças que a indústria joalharia enfrenta, no contexto da pandemia?

 

A primeira é a mudança acentuada no comércio eletrónico, inicialmente enquanto forma de manter o negócio ativo durante o confinamento, mas cada vez mais como um meio de operação padrão. Já demorou muito para acontecer, mas muitos de nós atrasamos a transição. A crise da COVID transformou as vendas digitais e o marketing numa necessidade.

 

A segunda é a crescente compreensão de que, no clima moderno de negócios, precisamos ser ágeis e flexíveis o suficiente para lidar rapidamente com disrupções imprevistas. Há alguns anos atrás, teríamos olhado o que estava a acontecer na China durante o primeiro trimestre de 2020 e pensado que a distância nos teria protegido. Mas, como aprendemos na última década, as crises económicas, políticas e agora de saúde espalham-se como um incêndio. Poucas semanas depois de sabermos sobre o novo coronavírus em Wuhan, entrámos todos em confinamento. Como empresas, não nos podemos dar ao luxo de ficar sobrecarregados - nem financeiramente, nem por mantermos muitos stocks mortos. Precisamos de ser capazes de reagir rapidamente às circunstâncias de mudança.

 

Terceiro, acredito que a pandemia tornou os consumidores consideravelmente mais conscientes da importância da saúde, do meio ambiente e das sociedades em que vivem. Para permanecermos relevantes, precisamos de lhes explicar porque é que a joalharia é sustentável e socialmente responsável.

 

A mais recente campanha da AORP tem como lema “Together We Stand”, por acreditar na força da união e da cooperação enquanto forma de enfrentar os novos desafios, como uma verdadeira cadeia de valor. A CIBJO partilha dessa visão?

 

Absolutamente. Trabalhamos numa indústria onde a integridade da cadeia de abastecimento é decidida pelo menor denominador comum. Basta que haja um mau ator, em qualquer setor e em qualquer país do mundo, para contaminar inteiramente a reputação de uma marca. Somos fortes como nosso elo mais fraco.

Assim, para manter a confiança do consumidor, temos que trabalhar juntos. Isso significa harmonizar padrões e nomenclaturas e fazer tudo o que for necessário para proteger a integridade do produto. Essa é a essência da responsabilidade coletiva.

 

E olhando para o que se segue, quais serão os principais impulsionadores do setor nos próximos anos?

 

Em última instância, é o mercado que impulsionará o crescimento. Se ele se expandir, o mesmo acontecerá com nossa indústria. Mas estou confiante quanto a isso. Não acredito que a China e a Índia tenham atingido todo o seu potencial, embora o seu crescimento não seja tão dramático como foi nos últimos 15 anos. No fim de contas, provavelmente, ambos ultrapassarão os Estados Unidos nos rankings de mercado mais valiosos do mundo, apenas devido ao tamanho das suas populações, embora o mercado americano provavelmente também aumente substancialmente.

 

Depois, há mercados que atualmente estão subdesenvolvidos, mas têm dentro deles um enorme potencial. Estou particularmente otimista com África, que se pode tornar um verdadeiro motor de crescimento, à medida que sua classe média se estabilize e os padrões de vida e os rendimentos aumentem.

 

Além disso, vamos ter de nos conectar com os consumidores das gerações Millennial e Z, da mesma forma que fizemos com os Baby Boomers e a Geração X. Para isto acontecer, teremos de colocar um esforço consideravelmente maior na comercialização dos nossos produtos e nossas mercadorias como sustentáveis e socialmente responsáveis.

 

O Blue Book da Comissão de Sourcing Responsável foi o documento mais descarregado do site da CIBJO desde o início da pandemia. De que forma a CIBJO está a atender à necessidade de orientação e informação sobre sustentabilidade e boas práticas responsáveis e quais são, na sua opinião, os pontos mais críticos em toda a cadeia de valor da ourivesaria, desde o abastecimento ao retalho?

 

O Blue Book da Comissão de Sourcing Responsável fornece uma estrutura pela qual todas as empresas podem mostrar que estão em conformidade com os padrões de Responsabilidade Social e Corporativa, mas também desenvolvemos uma gama de ferramentas e programas práticos para os membros da indústria usarem, para que possam implementar as suas recomendações.

 

Associado ao Blue Book de Sourcing Responsável está o Kit de Ferramentas de Sourcing Responsável, que pode ser descarregado gratuitamente no site da CIBJO. Este fornece formulários, modelos e outras informações que as empresas podem adaptar e usar nos seus próprios negócios, para se manterem alinhadas.

 

Também estamos a desenvolver, em conjunto com a Intertek, um grupo internacional, um curso online que irá formar responsáveis de sustentabilidade para a indústria da ourivesaria e fornecer-lhes uma certificação reconhecida internacionalmente neste âmbito. Vai ser lançado durante as próximas semanas.

 

Os nossos outros Blue Books, que também estão disponíveis para download gratuito no nosso site, fornecem informações essenciais sobre os padrões de classificação e identificação, sem custos. Estes foram consolidados em dois documentos de orientação, que também são disponibilizados gratuitamente para a indústria no nosso website. Um deles é um livrete simples do tipo “Faça e Não Faça”, e o outro é o Guia de Referência do Retalhistas abrangente, com 54 páginas e duas seções: um guia de referência rápida chamado Fatos-Chave e cinco capítulos, cobrindo com mais detalhe os principais segmentos, ou seja, diamantes, gemas, pérolas, metais preciosos e abastecimento responsável.

 

Temos também a Iniciativa de Medição de Gases de Efeito Estufa da Indústria de Joias. Esta permite que as empresas nos setores de joias e pedras preciosas meçam e entendam as suas pegadas de carbono, reduzam-nas e compensem o que resta com créditos de carbono, tornando-se, assim, neutras em carbono.

 

Não seria sensato apontar para pontos críticos. Numa cadeia de abastecimento como a nossa, cada ponto é crítico e afeta todos os outros.

 

A migração digital também está a remodelar o setor, da inovação tecnológica ao e-commerce. Como é que esse novo cenário digital poderá trazer oportunidades para as empresas de ourivesaria?

 

Isso acontecerá através de uma infinidade de maneiras. As cadeias de abastecimento, que sempre estiveram interconectadas, podem agora ser mais bem geridas, muitas vezes a milhares de quilómetros de distância.

 

Com a condição de estarem preparadas para fazer os investimentos necessários em vendas e marketing online, as empresas mais pequenas terão mais facilidade para atuar numa escala internacional, tanto na comercialização dos seus produtos como na obtenção de abastecimento.

 

As tecnologias, como a inteligência artificial, permitir-nos-ão planear com mais eficiência e análise, identificando os nossos consumidores e atendendo às suas necessidades. As ferramentas de realidade virtual ajudar-nos-ão a criar experiências de compra, bem como a atender clientes que possam estar localizados muito longe de nós.

 

Tecnologias como a Blockchain ajudarão a aumentar a perspetiva de rastreabilidade, o que tem sido muito difícil de alcançar no nosso setor até ao momento. A impressão 3D levanta a perspetiva de revolucionar o design de joias à medida, traduzindo rapidamente o que pode ser modelado num ecrã de computador numa joia acabada. O certo é que, daqui a uma década, o negócio da joalharia terá uma aparência muito diferente do que conhecemos hoje.

 

A joalharia portuguesa é hoje o resultado de um legado secular renovado pelo design contemporâneo, pela inovação e pela internacionalização. Qual é a sua visão sobre Portugal? O que destacaria enquanto principais características e oportunidades para o futuro?

 

Portugal é a epítome de um país que pode realmente beneficiar do novo panorama tecnológico. Existe a tradição e as capacidades técnicas, mas foi prejudicado pela geografia e pelas pequenas economias de escala. Num mundo digital, isso pode ser superado.

 

É necessário expandir universos, mas o seu ponto de partida é excelente e existem reais vantagens comerciais nos países de língua portuguesa do mundo. Angola, Moçambique e Brasil são todos fornecedores relevantes de matérias-primas e também representam mercados com potencial já existente ou para o futuro. Contudo, no fim de contas, nada disso acontecerá de forma automática. É preciso tomar a iniciativa.

 

Que conselho gostaria de dar aos nossos Associados, às marcas portuguesas?

 

Envolvam-se na arena internacional, através de organizações como a CIBJO. Se vocês não forem vistos e ouvidos, o vosso talento e capacidades não brilharão. Em 2011, o Porto acolheu o nosso congresso anual e, durante mais de um ano, Portugal brilhou como centro das atenções. Mas quando acabou, passou para segundo plano. Hoje, com as ferramentas digitais ao nosso dispor, é mais fácil aumentar o perfil público. Eu convido as empresas do setor a fazerem isso. Teremos o maior prazer em tê-las connosco.

 

Como é que vê a articulação entre a organização global CIBJO e as entidades nacionais, como acontece com a AORP, na missão de estimular a cooperação global e o multilateralismo?

 

Eu vejo a AORP como um microcosmo da CIBJO, proporcionando, à escala nacional, o que nós fazemos internacionalmente. Associações nacionais como a AORP são uma parte indispensável da comunidade de ourivesaria global, não apenas por representarem os interesses dos seus países, mas também por unirem os seus membros a outras pessoas em todo o mundo e para mediar as interações entre eles. Havia um banco cujo slogan era “pense local, aja global”. Isso é o que a CIBJO e a AORP devem ser capazes de alcançar trabalhando juntas.

 

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17 · 02 · 2022