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ENTREVISTA COM ANDRÉ DE ARAGÃO AZEVEDO

SECRETÁRIO DE ESTADO PARA A TRANSIÇÃO DIGITAL

Assume a bandeira de fazer de Portugal uma “Nação Digital”. Podemos afirmar que a migração digital será porventura o “silver lining” do contexto provocado pela pandemia COVID-19 e uma validação que esse deverá ser invariavelmente o caminho para garantir a competitividade da economia nacional?

 

Desde a tomada de posse do XXII Governo em Outubro de 2019 que o Digital foi assumido como uma prioridade estratégica. Foi com a ambição de fazer de Portugal uma Nação Digital que começámos de imediato a trabalhar, tirando partido do muito trabalho já desenvolvido anteriormente.

 

Em Março deste ano já tínhamos o Plano de Ação para a Transição Digital de Portugal estruturado e aprovado em Conselho de Ministros e por isso, a chegada da crise pandémica, veio apenas confirmar a importância da aposta digital e, sobretudo, a urgência, na aceleração da digitalização nas suas múltiplas dimensões: Pessoas, que têm que ter competências para aprender, trabalhar, interagir e comunicar num contexto digital; Empresas, que têm que adaptar os seus modelos de negócio para incorporarem mais tecnologia e serem mais competitivas num mercado único global e na transição para um novo modelo de economia, e Administração Pública, que se viu também forçada a alargar o espectro de serviços públicos digitais. Por isso, diria que sim, o Digital pode constituir o “silver lining” no atual contexto.

 

 

O Plano de Recuperação e Resiliência que o Governo está a desenhar tem na Transição Digital um dos seus três principais vetores, com um investimento previsto de 650 milhões de euros para aquela a que se chama “4ª revolução industrial”. Quais são os planos do Governo para as Empresas 4.0?

 

Como referi, a transição digital de Portugal é uma prioridade que assume particular relevância no atual contexto, em que os desafios e as oportunidades da 4.ª revolução industrial se conjugam com os efeitos económicos e sociais gerados pela pandemia de COVID-19.

 

Neste sentido, o PRR na componente específica das Empresas 4.0, prevê de facto um investimento global de 650M de euros e inclui um conjunto de investimentos alinhados com os pilares do Plano de Ação para a Transição Digital: - reforço das competências digitais da força de trabalho e alteração e atualização das práticas de formação profissional; - transformação dos modelos de negócio das empresas para tirar máximo partido da tecnologia; - catalisação da integração de tecnologia nas empresas através de inovação, confiança, segurança e redução de custos de contexto.

 

Em concreto, está prevista uma forte aposta no desenvolvimento de uma nova plataforma de formação digital designada “Portugal Digital Academy” que deverá agregar as diversas ofertas e percursos formativos, permitindo também o desenvolvimento de abordagens específicas em função das necessidades de cada setor industrial ou empresarial.

 

Está também prevista a criação de uma rede de “test beds”, apoios à digitalização do comércio e à internacionalização das nossas empresas. A aposta no ecossistema de startups também é clara nomeadamente na área de tecnologia verde com incorporação de Inteligência Artificial.

 

Deverá também avançar o desenvolvimento de uma rede de Digital Innovation Hubs, articulada com a rede europeia, para além do investimento em projetos concretos de simplificação da vida das empresas, nomeadamente por via da desmaterialização completa da fatura.

 

Por último pretendemos ainda promover a adoção de um Selo Digital que estimule a certificação das empresas, produtos e serviços em matéria de cibersegurança, privacidade, usabilidade e sustentabilidade. Acreditamos que esta pode ser uma forma de induzir valor na economia e contribuir para a competitividade e internacionalização das nossas empresas.

 

 

Já o “Plano de Ação para a Transição Digital” anunciado em março, ainda antes do impacto da pandemia, trazia uma visão de “acelerar Portugal e projetar o País no mundo, sem deixar ninguém para trás”. Quais os principais princípios orientadores desse plano e que oportunidades traz às empresas?

 

O Plano de Ação tem por base a ambição de colocar Portugal como referência internacional, tendo como benchmark os melhores exemplos à escala global assim como práticas e standards europeus e internacionais. E pretendemos cumprir essa ambição através de uma abordagem pragmática que nos permita capitalizar os diversos programas e estratégias já existentes em Portugal relativos ao domínio Digital.

 

Não queremos reinventar a roda. Isto implica envolver de forma diferente todos os parceiros públicos e privados, porque sem essa colaboração estreita não seremos bem sucedidos. A transição digital não se faz por decreto nem só com as empresas. Mas porque acreditamos que o que não se comunica não existe, quisemos também dar forma a esta ambição criando uma marca nova: “Portugal Digital” que pretende transmitir a nossa visão e projetá-la internacionalmente.

 

Finalmente, consideramos também essencial apostar na transparência e na monitorização permanente de todas as iniciativas através de uma plataforma única que agregue todos os indicadores e medidas que nos propomos cumprir. Esta plataforma deverá estar em produção no primeiro trimestre de 2021.

 

 

No processo de Educação Digital há também um claro investimento na qualificação e capacitação dos recursos humanos para integrarem este novo ecossistema digital. O programa UpSkill, por exemplo, tem uma atuação focada na integração profissional. Todos os setores são abrangidos por esta medida?

 

Em matéria de capacitação da nossa população, optámos por uma abordagem alinhada com a aprendizagem ao longo da vida e que nos permita oferecer diferentes respostas em função do perfil e do segmento específico de cada grupo populacional.

 

Por isso arrancámos já este ano letivo com a Escola Digital que pretende alterar o paradigma de aprendizagem e ensino em Portugal, adaptando os métodos e as ferramentas às necessidades de 2020. Relativamente à população ativa a aposta é na requalificação e aumento das qualificações digitais avançadas e por isso lançámos com algumas das maiores empresas recrutadoras na área digital um programa designado por Upskill e que pretende colocar no mercado 3.000 profissionais de IT (sobretudo programadores) por forma a requalificar maioritariamente ativos desempregados.

 

Esta abordagem que envolveu diretamente as empresas no desenho das próprias ofertas formativas e que implicou também uma grande flexibilidade por parte das instituições parceiras de ensino superior e do próprio IEFP, constitui um exemplo paradigmático do novo ciclo de colaboração e aproximação que queremos promover. Neste momento já estamos a desenvolver um programa específico de formação com a CIP e as respetivas associadas, mas outros se seguirão. Não queremos deixar ninguém, nem nenhum setor para trás.

 

 

O teletrabalho e a migração digital dos negócios aceleraram esta educação digital das empresas e dos colaboradores, mas esta foi uma reação impreparada e que levantou uma série de necessidades e lacunas nas empresas. Como é que o Governo poderá ajudá-las a se adaptar a este “novo mundo”?

 

Através exatamente das medidas que identifiquei na resposta anterior, mas a que eu acrescentaria um outro projeto que pretende colmatar uma carência identificada que resulta da iliteracia digital de uma parte significativa da nossa população.

 

Em 2019, 23% da nossa população nunca tinha utilizado a internet. Dados recentes apontam para uma descida para cerca de 19%, o que corresponde a um decréscimo muito significativo, a que a Covid não foi com certeza indiferente.

 

Temos a ambição de, em 3 anos, darmos competências básicas digitais a um milhão de portugueses, através do Programa “Eu Sou Digital”. Este programa deverá arrancar em Janeiro de 2021, uma vez que as candidaturas já estão em avaliação.

 

 

Está também em curso um programa de investimento na modernização tecnológica da Administração Pública e digitalização dos serviços públicos. Que melhorias estão previstas, que digam, nomeadamente, respeito às empresas?

 

Todos os investimentos que faremos na Administração Pública destinam-se, prioritariamente, a melhorar o serviço e a experiência dos cidadãos e das empresas. É importante desmistificar a ideia de que a Administração Pública sai privilegiada deste pacote de investimentos, não só porque este é um investimento na redução de ineficiências e burocracia para as empresas, como grande parte dos projetos de digitalização da AP serão executados por empresas privadas.

 

O objetivo do Plano de Ação para a Transição Digital e do PRR é promover uma digitalização acelerada dos serviços públicos que são mais utilizados por cidadãos e empresas.

 

 

Em virtude desta visão e aposta do Governo na Transição Digital, começamos a ver algum reconhecimento, nomeadamente com a integração de Portugal no D9+, o grupo informal de Estados-Membros que reúne os países europeus com melhor classificação no Índice Anual de Economia e Sociedade Digital (DESI) da Comissão Europeia. Qual é a visão do Governo no caminho para o Mercado Único Digital?

 

De facto, há vários sinais importantes de reconhecimento internacional do caminho percorrido por Portugal. É importante recordar que Portugal foi pela primeira vez reconhecido pelo European Innovation Scoreboard como “País Fortemente Inovador”, destacando-se dos demais países do sul da europa e alinhando-se com os países nórdicos historicamente mais desenvolvidos.

 

O desenvolvimento de uma Mercado Único Digital é essencial para o crescimento sustentável da economia europeia. A União Europeia tem na sua génese exatamente a ideia de mercado único e de liberdade de circulação de pessoas, mercadorias, de bens e de capitais.

 

Curiosamente, ao nível do Digital, verifica-se uma excessiva fragmentação regulatória e uma desarticulação de regimes jurídicos entre os diferentes países, o que dificulta a internacionalização das empresas europeias e empurra muitas dessas empresas, nomeadamente start-ups, para outros mercados. Portugal defende uma abordagem equilibrada que assegure um combate efetivo a práticas discriminatórias e restritivas da concorrência, sem sacrificar a capacidade de atrair investimento e de promover tudo o que de positivo trouxe a digitalização.

 

Durante a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia durante o primeiro semestre de 2021, Portugal dará com certeza o seu contributo para esta visão justa e equilibrada de conciliação de todos os interesses que estão em causa.

 

 

Transitando agora no setor da joalharia portuguesa. Sendo este um setor muito tradicional, ainda marcado por empresas de cariz familiar e processos artesanais, como vê a integração dos setores tradicionais, nomeadamente do nosso, no “ecossistema digital”?

 

Atualmente não existe essa distinção entre setores tradicionais e setores digitais. Todos os negócios são digitais, porque a integração tecnológica nos modelos de negócio, mesmo os mais tradicionais, é crítica para a sobrevivência e crescimento de qualquer setor.

 

Não temos a opção de esperar para ver, porque outros tomarão o nosso lugar e ocuparão o espaço que nós deixarmos livre no mercado internacional. Acredito que o importante será potenciar todo o valor do conhecimento tradicional, associado à forte marca de Portugal, que queremos agora fortalecer no Digital, onde a adesão a plataforma digitais permitem que mesmo negócios de base familiar possam vender para todo o mundo. Precisamos de escala. Todos juntos não somos muitos quando o mercado é global.

 

O papel da AORP é essencial e está no caminho correto. Por isso é que a estruturação e criação de entidades representativas de cada setor é tão importante, porque dará escala a negócios que tinham uma base familiar e local. Também aqui, ninguém pode ficar para trás. A internet é o que permite mudar a escala do mercado potencial de qualquer negócio. Em vez de vender para o bairro, cada um de nós pode estar a vender para o planeta. E isso muda tudo.

 

 

Dentro desta transição, há um vetor particularmente urgente que é o apoio à internacionalização das empresas. Com o cancelamento das feiras, a redução das viagens e das reuniões presenciais, os contactos passam a ser feitos no contexto digital. Como poderão as empresas aproveitar oportunidades dentro desta nova forma de fazer negócios?

 

Exatamente acelerando a transição digital dos respetivos negócios. Este pode e deve ser um momento de reavaliação dos modelos de negócios, de reposicionamento de mercado e de aposta na internacionalização, sem esquecer o investimento na capacitação dos colaboradores e sobretudo das lideranças que se têm que tornar mais ágeis e flexíveis para concorrer num novo contexto.

 

A retoma vai chegar e os que melhor se prepararem serão os mais aptos a capitalizar e monetizar os investimentos que fizerem.

 

 

Como vê o tema da inteligência artificial aplicada à indústria, nomeadamente a estes setores de maior tradição e com forte componente de manualidade?

 

O Digital e a Inteligência Artificial permite uma coisa inédita até há pouco tempo: a possibilidade de uma oferta personalizada em larga escala. Ao contrário das anteriores revoluções industriais, a revolução digital não se limita a aumentar a escala da produção. Permite compatibilizar escala com personalização.

 

É assim por exemplo na Saúde, com a possibilidade de se oferecer hoje terapias que têm em conta as nossas especificidades individuais através por exemplo de testes de ADN e de medicina de precisão. Mas também nos setores mais tradicionais como o da ourivesaria, a personalização do produto só beneficia do conhecimento concreto do potencial cliente.

 

A perfilagem e targetização que algumas plataformas conseguem fazer dos consumidores pode ser muito útil na identificação do cliente específico para um determinado produto de alto valor. Este matchmaking entre produto único individualizado e cliente específico apto a pagar o valor intrínseco inerentes aos setores de maior tradição só é possível com plataformas que recorrem a ferramentas de inteligência artificial.

 

 

O E-commerce traz um oceano de oportunidades às empresas, mas também muitos desafios à sua navegação. Que conselhos poderia deixar às empresas no contexto do comércio online?

 

É verdade que o E-commerce traz de facto um oceano de oportunidades desde logo pela mudança de escala do mercado potencial. A Covid teve um enorme impacto na sensibilização dos nossos empresários para a adoção deste tipo de ferramentas. Contudo ainda estamos abaixo da média europeia e longe de termos um tecido empresarial adaptado aos novos tempos.

 

Num estudo recente efetuado a PMEs já durante a pandemia, apenas 20% declarou utilizar plataformas de e-commerce, o que significa abdicar de uma importante receita. Temos que inverter esta situação. O conselho que deixaria às empresas é que invistam de facto neste tipo de plataformas.

 

O Governo dará a sua ajuda nesse processo. Tendo em conta que o nosso tecido empresarial é sobretudo composto por micro, pequenas e médias empresas, julgo que devem privilegiar o recurso a soluções já disponíveis no mercado, o que pode facilitar o processo e o tempo de adoção.

 

Pode ler a entrevista completa  aqui. 


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04 · 02 · 2021